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Renda fixa e volatilidade

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Manoel Luiz Júnior

Com e entrada em vigor da Resolução CMN nº 3.922, em 25 de novembro de 2010, os gestores dos recursos garantidores dos regimes próprios se depararam com algo pouco comum até então: a volatilidade em seus investimentos de renda fixa.

Até a entrada em vigor da Resolução, as aplicações financeiras dos RPPSs, e por que não dizer também dos Fundos de Pensão, eram direcionadas, em grande parte, para ativos corrigidos pelas taxas de juros de um dia, como por exemplo, o CDI – Certificado de Depósitos Bancários.

Em seu Art. 7º Inciso I Aline B, a 3922/10 estabeleceu que os RPPSs possam aplicar até 100% de seus recursos em fundos que invistam em Títulos Públicos Federais, e que tenham como parâmetro de referência o IMA ou um de seus subíndices. Como os fundos de investimentos são obrigados a fazer marcação a mercado, toda vez que a taxa de juros negociada no mercado futuro da BM&F oscila, as cotas dos fundos são reprecificadas, refletindo esta oscilação.

Para entendermos como funciona a marcação a mercado, e como ela contribui para a volatilidade em uma carteira de renda fixa, temos que, primeiramente, compreender como são formadas as taxas de juros.

Conceitualmente, a taxa de juro representa o custo de utilização do dinheiro no tempo. É, portanto, o preço pago por alguém pela utilização de dinheiro que lhe foi cedido por outro. Mas como é formada esta tal taxa de juros?

No Brasil, a taxa de juros tem como parâmetro a taxa básica fixada pelo Copom – Comitê de Politica Monetária, a chamada taxa Selic.

A Selic é chamada de taxa básica porque é a remuneração paga pelo Tesouro Nacional nos títulos pós-fixados que compõe a dívida mobiliária federal. Igualmente, é usada nos empréstimos interbancários (entre os bancos).

Por este motivo, a taxa funciona como uma referência para a formação dos demais juros cobrados no mercado para financiamentos e empréstimos – que são influenciados também por outros fatores, como inflação, prazo e pelo risco de que quem pegou o dinheiro emprestado não pagar a dívida.

É a partir da Selic que as instituições financeiras determinam também quanto vão pagar de juros nas aplicações financeiras dos seus clientes.

Ou seja, é a partir da taxa básica que os bancos pagam para pegar dinheiro emprestado no mercado e repassá-lo para empresas ou consumidores em forma de empréstimos ou financiamentos, a um custo muito maior.

Por isso, os juros que os bancos cobram dos clientes é superior à Selic.

Mas o que tem isso a ver com volatilidade e marcação a mercado?

Então vejamos: os fundos onde os RPPSs aplicam seus recursos são compostos por títulos que pagam certa taxa de juros. Estes títulos têm um prazo de vencimento que pode ser de curto, médio ou longo prazo. Estes dois fatores, taxa de juros e prazo do título, influenciam de maneira decisiva na volatilidade dos títulos de renda fixa, e por consequência nas oscilações das cotas dos fundos de investimentos.

Vou tentar ilustrar de uma maneira bem simples: imagine que você tenha um carro com um valor de mercado de R$ 20.000,00, e que em um determinado momento resolva vender o veículo. Uma vez colocado à venda, as propostas começam a aparecer. Mas sempre o comprador vai exigir um desconto para pagamento em dinheiro à vista. Para vender mais rápido, você concede um desconto de 10%, neste caso o preço final do carro vai cair de R$ 20.000,00 para R$ 18.000,00. Ou seja, você perde 10% do seu patrimônio. Caso o desconto exigido seja maior que 10%, você terá uma perda maior e caso o desconto seja menor que 10%, você terá uma perda menor. Logo, a taxa de juros reflete o quanto se ganha ou se perde caso apresente variação.

Entendido como a taxa de juros afeta o retorno dos fundos, precisamos entender o que provocou e vem provocando oscilação na rentabilidade da maioria dos fundos de renda fixa onde os regimes próprios investem seus recursos.

A relativa calmaria observada no mercado até meados de 2012 em nada lembra o que se observou um ano antes. O agitado mês de agosto de 2011, que iniciou com as bolsas derretendo, motivado pela histórica redução do ratingAAA da dívida soberana dos Estados Unidos, contou com emoções igualmente fortes no mercado de renda fixa brasileiro, com marcas que permanecem até hoje e, acreditam alguns, vieram para ficar.

Pouco mais de um ano e meio após o Copom – Comitê de Política Monetária surpreender o mercado com um corte na taxa básica de juros, a Selic, da dimensão de 0,5 ponto percentual, o que se observa é que a renda fixa passou a seguir um novo padrão, muito mais volátil.

Levantamento do economista Marcelo d’Agosto, autor do blog “O Consultor Financeiro”, do site do Valor, com base em dados da Economatica, mostra que o pico de volatilidade do IMA-B no período de 12 meses anteriores a agosto de 2011 (quando deu-se início o ciclo de corte de juro) – que foi de 4,5% ao ano – praticamente virou piso nos 12 meses seguintes. Desde agosto de 2011, a menor volatilidade registrada foi de 3,4% e a maior, de 12,54% ao ano. O mesmo vale para o Índice de Renda Fixa de Mercado (IRF-M), composto por títulos prefixados, só que em magnitude menor.

Esta volatilidade foi refletida nos fundos, sobretudo aqueles atrelados ao IMA-B, que passaram a apresentar oscilação parecida com ativos de renda variável. Por outro lado, cabe ressaltar que o retorno oferecido também foi muito acima da média do segmento. No ano de 2012, a categoria renda fixa índices (IMA-B) apresentaram retornos da ordem de 21,71%, muito acima do CDI, de 8,62%, ficando acima dos fundos Ações SmallCaps, que registram ganho de 20,56%. Entretanto, no ano de 2010, em que pese o fechamento positivo, os fundos de renda fixa atrelados ao IMA apresentaram forte variação negativa e chegaram a fechar o primeiro semestre do ano no vermelho.

A avaliação que se faz é que essa volatilidade, bem como os retornos extraordinários obtidos pelos fundos de renda fixa, acontece em função de um contexto bastante específico, iniciado quando em agosto de 2011 o Banco Central reduziu a taxa básica de juros acima do esperado pelo mercado. Esta ação motivou toda sorte de especulação. Deixou e está deixando o mercado sem referências claras.

Resumidamente, a variação nas taxas de juros aliada aos movimentos da inflação contribuem para uma maior volatilidade e elevação nos riscos dos investimentos no segmento de renda fixa.

Ao investidor, cabe compreender que a situação que vivíamos antes estava fora da realidade da maioria dos países e que, de agora em diante, sem riscos os ganhos minguaram.

 

 

  • Manoel é consultor sênior de investimentos na Crédito & Mercado Gestão de Valores Mobiliários