Muito se tem discutido sobre a inserção da sociedade civil na consecução das políticas públicas. Este artigo pretende demonstrar a importância de se realizar esse debate no âmbito dos regimes próprios de previdência social (RPPSs).
O regramento atual se limita a prescrever a necessidade de garantir a participação dos servidores, não fixando critérios para o funcionamento de seus conselhos, além de quedar-se silente sobre a possibilidade de participação popular nesses espaços.
Essa discussão encontra sustentação teórica em dois pilares: o do direito à participação social na gestão das políticas públicas e o da natureza dos recursos destinados ao pagamento da remuneração dos servidores e dos benefícios previdenciários.
A participação popular, como corolário da democracia, transparência e controle social, é ponto-chave para se buscar a garantia da qualidade dos serviços públicos e passa pelo entendimento de que o cidadão é o beneficiário dos serviços públicos, cabendo a ele acompanhá-los e fiscalizá-los.
O segundo pilar refere-se à origem dos recursos destinados ao pagamento do salário dos servidores e dos benefícios previdenciários. Os RPPSs são constituídos, entre outras, pelas fontes de receitas oriundas das contribuições, a cargo dos servidores e entes patronais, descontadas sobre a remuneração daqueles, e das contribuições incidentes sobre as aposentadorias e pensões.
A contribuição previdenciária de responsabilidade dos entes federados advém de recursos públicos, cobrados da sociedade sob a forma de tributos, tarifas, etc. Da mesma forma, a contribuição do servidor, descontada do seu salário, também se origina dos recursos da sociedade (mesmo que de forma indireta), já que é ela quem os remunera em virtude dos serviços públicos prestados.
Oportuno relembrar os expressivos déficits atuariais dos RPPSs dos entes federados, amenizados com a reforma de 2003 e ainda não totalmente resolvidos. A ausência de lógica financeira e atuarial aplicada aos RPPSs deixou uma herança para a sociedade: a assunção das despesas previdenciárias não acobertadas pelas receitas ordinárias. Esse déficit impede que os recursos públicos sejam direcionados às políticas de saúde e educação, por exemplo, sendo utilizados para cobrir déficits dos RPPSs.
Advém daí a importância de se acompanhar a gestão dos RPPSs, já que, em caso de insuficiência de recursos, será a sociedade quem arcará com os custos da falta de planejamento dos seus gestores, segundo preceitua o art. 8º da Lei nº 9.717/98.
Ao contrário dos que acreditam que, por se tratar de fundo fechado de previdência, apenas servidores públicos e entes federados teriam direito e se interessariam pela gestão dos RPPS; toda a sociedade, “proprietária” que é dos recursos destinados ao pagamento dos benefícios previdenciários, deve se interessar e tem o direito de acompanhar e fiscalizar a gestão desses fundos.
A proposta de participação de representantes da sociedade na condução dos trabalhos de um RPPS, por meio de seu conselho gestor, aumentaria a transparência da gestão pública mediante a aproximação da sociedade dos recursos destinados aos servidores e possibilitaria o debate de ideias não vislumbradas pela classe diretamente interessada (servidores e governo).
Ademais, além de cogestora, a sociedade funcionaria como agente fiscalizador, pois deliberações que poderiam ser tomadas em decorrência de fins corporativos seriam por ela, no mínimo, questionadas (incorporação indevida de parcelas à aposentadoria, etc).
- Fernando Ferreira Calazans
- Professor de Direito Administrativo da UFMG e Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto de Angola
- CALAZANS, Fernando Ferreira. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL: o caso do Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais – FUNPEMG. 2010. 184p. Dissertação (Mestrado), Escola de Governo, Fundação João Pinheiro, Minas Gerais, 2010.