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O QUE HÁ POR TRÁS DA NEBLINA?

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Com a taxa básica de juros nesses patamares, existem outras alternativas?

Em épocas não tão remotas em que a taxa de juros se encontrava em níveis muito baixos (para o histórico do país, é bem verdade) a pergunta que os investidores se faziam era: “Quais as alternativas de investimento para que eu possa atingir a meta atuarial?”. As alternativas eram muitas e a resposta nada óbvia. Hoje em dia, entretanto, a resposta parece certa e o número de alternativas pequeno. Com a SELIC média projetada para o ano de 2016 em 14,84% e inflação, medida pelo IPCA, projetada em 7,23%[1], o juro real em 2016 será algo próximo a 7,75%, o que significa dizer que uma aplicação que renda 100% da SELIC proporcionará rentabilidade de IPCA + 7,10%. Mesmo em um cenário em que a autoridade monetária decida manter a taxa no patamar atual (14,25% a.a.), o juro real ainda seria mais que suficiente para atingir a meta atuarial.

Já que é assim, muitos poderiam pensar, a melhor alternativa é montar uma carteira composta exclusivamente por fundos cujos benchmarks sejam o CDI e/ou o IRF-M 1 ou, ainda mais drástico, montar uma carteira composta exclusivamente por Letras Financeiras do Tesouro – LFT, que tem sua rentabilidade atrelada à SELIC.

Poderia passar o restante do artigo discutindo os motivos pelos quais somos “obrigados” a manter os juros nesses patamares, mas não vou fazer isso. O fato é que nos últimos 20 anos (1996 a 2006) o Brasil está entre os países com as maiores taxas de juros nominais e reais. Mesmo no breve período em que desfrutamos de taxas mais baixas, primeiro governo da Presidente Dilma, mundialmente ainda nos destacávamos pelas altas taxas.

Quando a taxa de juros atinge patamares tão elevados perece que baixa uma neblina e os investidores não conseguem enxergar mais nada a sua frente. Os títulos públicos atrelados à SELIC passam a ser a alternativa preferida pelos participantes do mercado para montar suas carteiras. Analisando friamente, não era para ser diferente: esses ativos possuem elevada liquidez, baixo risco de crédito e de mercado e, nesses momentos, performance superior ao objetivo dos RPPSs.

As perguntas que os gestores devem se fazer é: “Será que não existem outras alternativas? O que há por trás dessa cortina de fumaça gerada pelas altas taxas de juros?”. Um bom ponto de partida para responder essas perguntas é o horizonte de investimento do RPPS. Os investidores têm que analisar suas carteiras e alternativas de investimentos vis-à-vis seus objetivos e prazos para alcança-los.

No curto prazo, analisando movimentações táticas para a carteira, não há dúvidas que ativos pós-fixados indexados à SELIC sejam uma excelente alternativa, quase impossível de resistir. Quem não gostaria de diminuir a volatilidade da carteira com ativos seguros e rentabilidade alta? O problema é saber por quanto tempo as taxas continuarão altas e o momento de inflexão da curva. Desmontar uma posição como essa pode ser difícil no rito de aprovação dos RPPSs: como convencer o comitê de investimento e o conselho de administração a substituir um ativo indexado a SELIC, cuja performance foi muito boa, por outras alternativas (IMA, ações e fundos estruturados) que possam não ter tido o mesmo histórico. Não se pode esquecer que os objetivos dos RPPSs são de longo prazo e a alocação dos ativos no curto prazo é que vai determinar a saúde da carteira quando a utilização dos recursos for necessária.

Voltando ao cerne da questão, será que não existem outras alternativas interessantes em um mercado de juros altos? O que se tem que ter em mente é que a SELIC é taxa balizadora que remunera os títulos que possuem os menores risco de crédito e mercado, as Letras Financeiras do Tesouro. Dessa forma, qualquer outro ativo, já que invariavelmente possuirão mais risco de crédito e/ou mercado, deverão remunerar melhor. O que os investidores têm que analisar é a relação risco X retorno que essas alternativas oferecem, ou seja, quanto mais de retorno o ativo proporciona em relação ao risco incorrido. Não existe uma resposta padrão, pois cada investidor tem sua curva de utilidade, assim como a propensão a risco. Entretanto, existem alternativas que possuem uma excelente relação risco X retorno mesmo quando o mercado parece não oferecer outras alternativas que não ativos indexados à SELIC.

O que quero despertar no leitor é sua atenção para outras alternativas de investimento, mesmo em um cenário em que tudo parece muito certo e óbvio. Ativos privados bem selecionados podem acrescentar performance à carteira sem aumentar muito o risco. Fundos que investem no setor real da economia, apesar de serem sensivelmente mais arriscados, proveem longevidade à carteira e estão em linha com os objetivos de longo prazo dos RPPSs. No primeiro exemplo, esses ativos possuem risco de crédito maior se comparados aos títulos públicos e, por esse motivo, oferecem um retorno maior. Além disso, a volatilidade do mercado e o aumento da aversão ao risco faz com que o prêmio seja maior do que era recentemente, ou seja, o spread de um ativo privado emitido por um bom pagador está maior. Com relação aos ativos utilizados para investir no setor real da economia, selecioná-los bem em um cenário como esse é trabalhoso, mas um bom investimento, por conta da natureza de longo prazo desse tipo de ativo, faz com seja assegurada para um parte da carteira uma taxa alta por um bom tempo.

O que vocês devem ter em mente é que momentos como esse são ideais para aproveitar as oportunidades do mercado e dar perenidade à carteira. Não tenham medo, abram bem os olhos e caminhem pela neblina, pois o terreno pode não ser tão ruim quanto parece.

[1] Focus – Relatório de Mercado de 22/01/2016

  • Daniel Boueres Sandoval

    Mestrando em Economia pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP, possui MBA em Mercado de Capitais pela FIPECAFI-USP e pós-graduação em Administração de Empresas com ênfase em mercado financeiro pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-SP. Possui certificação Certified Financial Planner – CFP® pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros e Certificação de Especialista em Investimento Anbima – CEA. dbsandoval@gmail.com