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Adesão Automática à Previdência Complementar do Servidor Público

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A adesão automática aos regimes previdenciários estatais, como regra geral nos modelos brasileiro e estrangeiros, não comporta maiores divergências tendo em vista a conhecida miopia individual dos participantes do sistema, os quais, se desprovidos de ingresso coercitivo na proteção social, tenderiam a portar-se de forma inadequada frente à cobertura dos riscos sociais[1].

Todavia, no que diz respeito aos modelos privados e complementares de previdência, a regra adotada no sistema brasileiro, historicamente, sempre foi a diametralmente oposta, ou seja, a facultatividade plena de ingresso e manutenção no sistema, atributo que passou a constar expressamente do art. 202 da Constituição de 1988, após a edição da EC nº 20/98.

O prestígio da liberdade de escolha na previdência complementar, além de intuitivo, é facilmente defensável pelo fundamento da liberdade, direito fundamental assegurado em todas as democracias ocidentais. Os modelos públicos de previdência social têm a prerrogativa de impor ingressos coercitivos dentro do estritamente necessário à manutenção de existência digna de trabalhadores e dependentes, nada mais. Eventual cobertura adicional deve ser de livre escolha pelos interessados, cabendo ao Estado total deferência às prioridades individuais entre o consumo presente e futuro.

Sem embargo, tamanha dicotomia carece de maior reflexão. Após alguma observação do regramento tradicional, chama atenção a desproporção das normas legais que prevêem, paradoxalmente, o ingresso coercitivo dos regimes públicos com a total ausência de estímulos normativos à participação nos modelos privados, partindo da premissa liberal de ingresso volitivo no seu máximo efeito. Ora, se a miopia individual é reconhecida a ponto de impor uma conduta estatal protetiva a cada um de nós, não faria sentido, no segmento complementar, apoiar-se em premissa diametralmente oposta, baseada em uma plena racionalidade humana capaz de nos conduzir ao melhor caminho para nossa proteção futura.

A cobertura previdenciária complementar não precisa oscilar entre extremos. Não deve o Estado brasileiro, em hipótese alguma, impor ingresso coercitivo nos modelos de proteção complementar, até em razão do mandamento estampado no art. 202 da CF/88, mas, por outro lado, não faz sentido a inexistência de quadro normativo mínimo capaz de estimular uma decisão superior em matéria de proteção social, capaz de orientar uma melhor escolha, mas sem excluir, de forma alguma, o atributo constitucional da facultatividade de ingresso. Este é o fundamento da Lei nº 13.183/15, no art. 4º, o qual, ao alterar o art. 1º da Lei nº 12.618/12, insere os seguintes parágrafos:

 

“Art. 1º …………………………………………………………………

  • 1º………………………………………………………………………
  • 2ºOs servidores e os membros referidos nocaput deste artigo com remuneração superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que venham a ingressar no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar desde a data de entrada em exercício.
  • 3ºFica assegurado ao participante o direito de requerer, a qualquer tempo, o cancelamento de sua inscrição, nos termos do regulamento do plano de benefícios.
  • 4ºNa hipótese do cancelamento ser requerido no prazo de até noventa dias da data da inscrição, fica assegurado o direito à restituição integral das contribuições vertidas, a ser paga em até sessenta dias do pedido de cancelamento, corrigidas monetariamente.
  • 5ºO cancelamento da inscrição previsto no § 4º não constitui resgate.
  • 6ºA contribuição aportada pelo patrocinador será devolvida à respectiva fonte pagadora no mesmo prazo da devolução da contribuição aportada pelo participante.”(g.n.).

 

Tal previsão normativa, apesar de eventuais inconsistências, não implica, necessariamente, vulneração ao preceito constitucional assecuratório da facultatividade de ingresso na previdência complementar, mas, prioritariamente, um guia de conduta capaz de assegurar escolhas economicamente mais vantajosas aos participantes do sistema.

Essa medida não é inédita, sendo atualmente adotada por diversos países, como Itália, Nova Zelândia, Reino Unido e, de forma mais limitada, Chile. Essas medidas também são encorajadas pelos órgãos reguladores da previdência de países como Estados Unidos e Canadá. A adoção da adesão automática em diversos países surgiu a partir de pesquisas realizadas no âmbito de uma corrente específica da Análise Econômica do Direito, a Análise Econômica e Comportamental do Direito. A Análise Econômica do Direito é uma disciplina que estuda o Direito e suas instituições, tendo como base a racionalidade individual[2]. Essa disciplina vale-se de fundamentos da economia, principalmente da microeconomia, para fundamentar medidas jurídicas.

O exemplo dado pela Lei nº 13.183/15 é importante para Estados e Municípios, pois, com tal previsão normativa, a tendência demonstrada pelos sistemas estrangeiros é a rápida e acentuada elevação da participação de servidores em regimes complementares, tendo em vista a inércia predominante entre os participantes. Se bem construído normativamente, o ingresso automático em regime de previdência complementar patrocinado, dotado de saída voluntária, é capaz de, simultaneamente, garantir melhor cobertura aos servidores e preservar a viabilidade financeira do regime complementar desejado pela Constituição de 1988.

[1] Sobre o tema, ver IBRAHIM, Fábio Zambitte. A Previdência Social no Estado Contemporâneo. Niterói: Impetus, 2011.

[2] PORTO, Antônio José Maristrello. GAROUPA, Nuno. Uma abordagem econômica do Direito. Revista JC, ed. 154, 2013.