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RPPS não pode investir em FIDC e FIP

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RPPS não pode investir em FIDC e FIP

O título deste artigo tem o objetivo de chamar a atenção para a recente mudança na classificação das entidades gestoras de Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) como investidoras do mercado.

 

Evidentemente que os RPPS podem adquirir cotas de FIDC e de FIP. A própria Resolução CMN 3.922/10 autoriza tais modalidades de investimento. Porém, após as alterações promovidas pela Portaria MPS 300/15 à Portaria MPS 542/11, tais modalidades de fundos de investimento passaram a ser acessíveis a pouco menos de 20% dos RPPS existentes no país.

 

Isto porque, o FIDC e o FIP têm como público alvo exclusivamente os “investidores qualificados”, segundo a regulamentação da CVM. Atualmente, mais de 80% dos RPPS perderam a condição de “investidor qualificado” e passaram a ser classificados como “investidor de varejo”.

 

De acordo com a nova norma, o RPPS pode ser classificado como “investidor qualificado” desde que, dentre outras condições, possua recursos aplicados no montante de R$ 40 milhões e, como “investidor profissional”, no montante de R$ 1 bilhão. No âmbito da CVM, as faixas das referidas categorias são bem menores (R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, respectivamente).

 

As restrições para os investidores de varejo não ficam apenas por conta dos FIDC e FIP. Há diversas outras restrições de negociação, como é caso do CRI não performado (tradicionalmente utilizado pelas incorporadoras), os quais até então podiam ser adquiridos pelos fundos de investimento investidos pelos RPPS.

 

A propósito, os limites mais restritivos de concentração por emissor e por modalidades de ativo financeiro nos fundos de investimento destinado a público geral (varejo), dificultam a apropriação de ganhos oriundos de ativos de crédito bem interessantes, como é caso daqueles com avaliação de baixo risco de crédito (rating) emitida por uma agência de classificação internacional.

 

De acordo com a CVM, a categorização tem como objetivo tutelar os investidores pouco sofisticados em situação de significativa assimetria informacional. Ou seja, aqueles investidores com conhecimento restrito do mercado de capitais e capacidade limitada de precificar valores mobiliários complexos ou pouco transparentes.

 

Por sua vez, investidores institucionais, que atuam diariamente nos mercados e com apoio técnico de consultorias de valores mobiliários, tendem a se encaixar naturalmente na categoria de “investidores profissionais”. Mas não foi exatamente o que aconteceu, recentemente, com os RPPS.

 

É sabido que em diferentes jurisdições, os critérios quantitativos e qualitativos são recorrentemente utilizados para a determinação da qualificação dos investidores. No mercado brasileiro, a CVM optou pelos dois critérios, porém com um peso importante para o critério quantitativo.

 

De fato, o critério quantitativo é a opção mais utilizada internacionalmente, notadamente pela sua simplicidade, inclusive para fins fiscalizatórios. A premissa consiste no fato de que os investidores com capacidade financeira relevante possuem experiência em investimentos financeiros e monitoram as suas aplicações, podendo contratar ainda prestadores de serviços especializados no mercado.

 

Ocorre que o MPS, por meio da Portaria MPS 300/15, optou também por mesclar os critérios, porém acabou conferindo ao critério quantitativo um peso muito maior do que aquele conferido pela CVM.

 

Ora, a legislação previdenciária tem avançado no sentido de permitir aos dirigentes de RPPS avaliar livremente as condições de cada oportunidade de investimento, porém sempre dentro de uma linha de prudência, evitando-se riscos desnecessários.

 

As mudanças no cenário econômico e na própria regulamentação específica dos investimentos dos RPPS, como pode ser constatado nos últimos anos, têm provocado o aumento do monitoramento e da fiscalização por parte dos órgãos de controle, com especial atenção nos cuidados tomados pelos RPPS na gestão dos recursos administrados, seja de forma direta (carteira própria) ou indireta (carteira administrada ou fundo de investimento).

 

Neste sentido, é plenamente legítimo que o MPS trabalhe com os critérios qualitativos para categorizar os RPPS, como de fato fez ao estabelecer o incentivo à adoção de melhores práticas de gestão previdenciária, que proporcionem maior controle dos seus ativos e passivos e mais transparência no relacionamento com os segurados e a sociedade.

 

Porém, o critério quantitativo já foi adotado pela própria CVM. Não nos parece razoável assim, a coexistência de dois critérios quantitativos para entidades com propósitos e atuações muito similares, como é o caso das entidades abertas e fechadas de previdência complementar (EAPC/EFPC) e dos RPPS. A necessidade de bem administrar as reservas garantidoras dos benefícios previdenciários futuros coloca tais entidades em patamares de categorização muito próximos.

 

Com efeito, a missão dos RPPS é fazer com que as arrecadações e o patrimônio sejam suficientes para o custeio dos compromissos futuros na fase da inativação de servidores. Os volumes relevantes de recursos acumulados devem ser investidos em alternativas efetivamente rentáveis, as quais nem sempre são encontradas nas alternativas tradicionais colocadas à disposição dos investidores de varejo.

 

Cabe lembrar que a recente Instrução CVM 539/13 criou um arcabouço de proteção ao investidor, vinculado principalmente ao seu objeto alvo, a partir do desenvolvimento das práticas de suitability. Os RPPS não enquadrados na categoria de “investidores qualificados” estão agora sujeitos a esta verificação por parte dos integrantes do sistema de distribuição e das consultorias de valores mobiliários.

 

De acordo com a Instrução, os clientes devem ser avaliados e classificados em categorias de perfil de risco previamente estabelecidas, a partir de três elementos centrais: (i) os objetivos de investimento do cliente; (ii) a sua situação financeira; e (iii) o conhecimento necessário para compreender os riscos relacionados ao produto ou serviço.

 

Neste sentido, pergunta-se: qual o perfil de risco teria o investidor que: (i) tem o objetivo claro de alocação de longo prazo, com estratégias de aplicação em diversos segmentos, definidos em uma política de investimentos aprovada pelo seu órgão máximo de governança; (ii) administra um volume de recursos muito relevante; e (iii) tem o apoio necessário de consultorias de valores mobiliários – obrigatoriamente registradas na CVM – para compreender os riscos relacionados ao produto ou serviço que está sendo ofertado ?

 

A nosso ver, claramente o resultado da avaliação acima indicaria um perfil do investidor que não deveria ficar restrito a produtos destinados exclusivamente aos investidores de varejo.

 

O atual cenário econômico apontando para a queda da inflação, além da expectativa positiva em relação à área fiscal, reforça também a expectativa de um corte na taxa Selic. Neste cenário, em substituição à gestão baseada em operações com títulos públicos de longo prazo, as estratégicas de alocações dos investidores tendem a direcionar parte dos recursos para alternativas de investimentos de origem privada (especialmente de infraestrutura), a partir de produtos destinados exclusivamente a “investidores qualificados e/ou profissionais”.

 

Enfim, a melhoria contínua dos processos internos do RPPS poderia ter sido o foco do MPS a partir da definição exclusiva de critérios qualitativos, deixando-se para a CVM a fixação do critério quantitativo.

 

A coexistência de dois critérios quantitativos para a categorização de investidores não nos parece ser razoável, sobretudo quando se tem em categorias diferentes entidades com propósitos e atuações muito similares, como é o caso das EAPC/EFPC e dos RPPS.

Por: Matheus Corredato Rossi