Em face da PEC 287/16, mais e mais questionamentos surgem em relação às regras de transição atualmente em vigor.
O grande temor se revela na real possibilidade de revogação das atuais regras de transição, antes mesmo que todos ou, pelo menos a maioria dos servidores, que possam por elas se aposentar, de fato, se aposentem.
Ora, evidentemente, se as regras são de transição, elas não durarão para sempre. Haverá um dia em que elas deixarão de produzir seus efeitos. Mas quando? Até que data o servidor público poderá por elas de aposentar? Ou melhor, até quando o Governo teria que mantê-las em vigor, possibilitando até que o último dos servidores brasileiros possa alcançar os seus requisitos e nelas se aposentar?
Como todos sabemos, estas regras nasceram como parte do pacote de alterações promovidas pelas emendas constitucionais que reformaram a previdência do servidor após a CF/1988.
Resgatando o processo histórico da reforma, é sabido que antes da EC nº 41/2003, o servidor se aposentava com direito a integralidade e paridade. Após esta emenda, estes direitos foram extintos. Passaram a se aposentar com base na média das contribuições e reajuste na forma da lei. Entretanto, para os servidores que já se encontravam no serviço público antes do advento desta emenda e que tinha a expectativa de direito de se aposentarem com integralidade e paridade, foram lhes oferecidas regras de transição garantindo, mesmo após a EC nº 41/2003, o direito de se aposentarem com integralidade e paridade.
Pois bem, é fácil concluir que estas regras de transição têm o objetivo de amenizar os rigores da reforma introduzida pela EC nº 41/2003, no que se refere ao cálculo. Destarte, entre o antigo modelo e o novo, optou-se por criar um modelo transitório para que a passagem, a transição, não fosse tão abrupta, tão dura com o servidor, evitando-se extinguir de forma direta e sem piedade, direitos até então existentes, cuja presença o servidor contava como certa na aposentadoria.
Evidentemente, estamos nos referindo às duas regras de transição que realmente interessam ao servidor, a do art. 6º da EC nº 41/2003 e a do art. 3º da EC nº 47/2005. São estas que atualmente garantem o que mais os servidores almejam na hora da aposentadoria, a integralidade e a paridade.
A chave para respondermos a indagação, tema deste opúsculo, encontra-se no caput dos dispositivos legais acima mencionados, mais precisamente, na parte que define até que data o servidor precisa ter ingressado no serviço público, para poder, na regra, se aposentar.
No art. 3º da EC nº 47/2005, o servidor, para fazer jus à esta regra, precisa ter ingressado até o dia 16/12/1998. Já no art. 6º da EC nº 41/2003, o servidor público, para fazer jus a esta regra, precisa ter ingressado no serviço público até o dia 31/12/2003. Se o servidor ingressar após estas datas, não poderá ser clientela dessas regras. Isto é, não poderá por elas se aposentar.
Entre as duas regras consideradas, a que vai interessar para o assunto aqui abordado é, evidentemente, a do art. 6º da EC nº 41/2003, pois precisamos encontrar a data mais afastada, mais longínqua em que um servidor poderá se aposentar por uma regra de transição. E neste caso, só pode ser a do art. 6º, visto que, na do art. 3º da EC nº 47/2005, a data limite para ingresso no serviço público é o ano de 1998, o que, em tese, faz com que o servidor se aposente antes dos que optaram em se aposentar pela regra do art. 6º da EC nº 41/2003.
Ademais, ao contrário do art. 3º, o art. 6º exige do servidor do sexo masculino o implemento da idade de 60 anos, requisito bem exigente e que o obriga a manter-se por muitos anos em atividade. Por este motivo, não precisaremos analisar a questão proposta à luz do art. 3º da EC nº 47/2005.
Como já dito acima, para se aposentar pelo art. 6º da EC nº 41/2003, a data limite de ingresso no serviço público é o dia 31/12/2003. Esta data, entretanto, é um feriado nacional, réveillon. Os órgãos públicos estão fechados. Mas, para respondermos as indagações propostas, vamos considerar que um determinado órgão, de um determinado Município, Estado, ou mesmo da União, tenha expediente normal até o dia anterior, 30/12/2003. E suponhamos também que, neste dia, um brasileiro do sexo masculino, de 18 anos de idade (que é a idade mínima para o ingresso no serviço público), tenha tomado posse em um cargo efetivo de nível médio em determinado ente federativo que possua RPPS.
É preciso ressaltar que, pelos mesmos motivos em que temos que considerar apenas a regra do art. 6º da EC nº 41/2003, para encontrarmos a data mais afastada na qual um servidor poderá se aposentar por uma regra de transição, também temos que considerar o servidor apenas do sexo masculino, pois as mulheres se aposentam 5 anos antes dos homens, tanto na idade como no tempo de contribuição. E, por este motivo, inseri-las na hipótese não nos traria a resposta correta.
Portanto, para respondermos a pergunta objeto deste artigo, temos que considerar a situação de um servidor do sexo masculino que, necessária e obrigatoriamente, só terá o art. 6º da EC nº 41/2003, como regra de transição para se aposentar voluntariamente, visto que não pode mais ser clientela do art. 3º da EC nº 47/2005, já que ingressou no serviço público muitos anos após o dia 16/12/1998.
Continuando o raciocínio, se o servidor tomou posse no dia 30/12/2003, tendo 18 anos de idade, isso significa dizer, a grosso modo, que ele implementará 35 anos de tempo de contribuição em 31/12/2038. Mas, nesta data, terá apenas 53 anos de idade, faltando ainda 7 para implementar a idade de 60 anos, exigida na regra. E este requisito só será alcançado no ano de 2045.
Portanto, somente em 2045, este servidor implementará a idade de 60 anos, que é o último requisito necessário que faltava para ele se aposentar pela regra do art. 6º. Portanto, em tese, o art. 6º da EC nº 41/2003, tem que vigorar até o ano de 2045. Se for revogado antes, poderá frustrar a expectativa de algum servidor, seja ele federal, estadual ou municipal, que se enquadre nos parâmetros aqui esposados.
Por mais remotas que sejam as chances de um servidor se enquadrar na hipótese aqui construída, não podemos simplesmente ignorá-la, pois, matematicamente, ela é possível de acontecer. Basta que, no aspecto temporal, todos os fatores aqui apresentados se alinhem. Portanto, em algum lugar do Brasil pode haver um servidor inserido nessas circunstâncias.
O exemplo do servidor que ingressou no serviço público com 18 anos de idade, tomando posse no dia 30/12/2003, se constitui na última hipótese possível de extensão da eficácia do art. 6º da EC nº 41/2003. Nenhuma outra combinação de idade e data de ingresso no serviço público possibilita mais longevidade ao art. 6º do que a aqui apresentada.
O art. 6º projetará seus efeitos até o ano de 2045. E aí, nem será necessário revogá-lo, pois deixarão de existir casos concretos por ele tutelados. É como se fosse uma contagem regressiva. Quando a última hipótese possível de aposentadoria pelo art. 6º ocorrer, ninguém mais poderá por ele se aposentar. O artigo perde sua eficácia por falta de clientes. A regra até continuará projetando seus regulares efeitos, mas não haverá mais a possibilidade de qualquer servidor implementar seus requisitos, pois todos os demais já terão ingressado no serviço público após o dia 31/12/2003. Ela terá perdido toda a sua clientela. Destarte, mesmo que não seja expressamente revogada, ninguém mais poderá invocá-la para se aposentar.
Não nos esqueçamos que o servidor do exemplo acima, poderá decidir ficar no serviço ativo até a idade da aposentadoria compulsória, 75 anos, e da mesma forma terá direito de invocar o art. 6º da EC nº 41/2003, pois já terá implementado os requisitos desta regra, à época. Dessa forma, este servidor terá direito adquirido a se aposentar pelo art. 6º da EC nº 41/2003, podendo optar por esta regra a qualquer momento.
O que não pode ocorrer, a nosso sentir, é o Governo entender em revogá-la antes do ano de 2045, pois aí ele estaria frustrando a expectativa de eventuais servidores que se enquadrem nas hipóteses aqui apresentadas, prejudicando-os perversamente. Soaria como uma espécie de calote, o que não é tão difícil de acontecer em se tratando do Governo brasileiro.
Não se trata, deixe-se claro, de defender que a existência da regra de transição é um direito adquirido do servidor. Trata-se apenas de se exigir que o Governo honre seu compromisso, pois, se criou as regras de transição para amenizar a situação dos servidores que já estavam no serviço público antes das reformas, que as mantenham em vigor até que, naturalmente, o último servidor, o último a deixar o front, possa nela se aposentar. Aí sim, a promessa feita estará integralmente cumprida.
E é somente em 2045, quando o último servidor brasileiro puder reunir os requisitos para se aposentar pelo art. 6º da EC nº 41/2003, que a integralidade e a paridade estarão definitivamente sepultadas.
Entretanto, com a PEC 287/16, o Governo brasileiro não está pretendendo aguardar até 2045 para que as regras de transição passem. Com a reforma proposta, fica bastante claro que as atuais regras de transição serão revogadas, o que trará transtornos nunca antes vistos na história do serviço público deste país.
ALEX SANDRO LIAL SERTÃO, é formado em Direito pela Universidade Federal do Pará. É especialista em Direito Público pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Foi Assessor Jurídico na Procuradoria Geral da República, em Brasília. Atualmente é Auditor de Controle Externo do TCE/PI, onde ocupa o cargo de Diretor da Diretoria de Fiscalização de Atos de Pessoal. É Conselheiro membro do Conselho do Regime Próprio de Previdência do Estado do Piauí. É Coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário no Estado do Piauí, é professor da Pós-Graduação em RPPS. Ministra cursos sobre Regimes Próprios de Previdência Social por todo país e é autor de diversos artigos que tratam da aposentadoria do servidor público, com publicação em sites, periódicos e revistas jurídicas de circulação nacional.